O ponto de partida
"A mulher, como o homem, é seu corpo mas seu corpo não é ela, é outra coisa." (BEAUVOIR, 1970)
"Eu sou, portanto, meu corpo, pelo menos na medida em que tenho dele conhecimento e reciprocamente meu corpo é como um sujeito natural, como um esboço provisório de meu ser total" (MERLEAU-PONTY, 2009, p. 240)
Sou mulher. O que me define como mulher? O que ser mulher diz a meu respeito? Quais seriam as minhas percepções acerca do espaço caso eu não estivesse vinculada ao gênero feminino? Estas e outras inquietações pessoais me direcionaram ao caminho do que vamos chamar aqui de: pensamento guiado em função da perspectiva de gênero. Através deste pensamento, diversos outros questionamentos somaram à minha trajetória. Qual o meu papel como arquiteta e mulher? O atual modo de planejar e projetar contempla a quem? Para quem são feitos os espaços? Quais são os sujeitos presentes e quais são os sujeitos ocultos na nossa sociedade?
Na tentativa de responder a estas e a tantas outras perguntas, mais e mais questionamentos surgiam. Quanto mais eu questionava, mais situações delicadas e problemáticas eu encontrava ao meu redor. E, mais difícil do que ter consciência do contexto onde estou inserida, é começar a ter noção do lugar da mulher - e consequentemente do meu lugar - na sociedade em que vivemos. Entendamos aqui a diferença entre compreender apenas o contexto onde um sujeito está inserido e identificar qual é o papel desempenhado por este sujeito: o primeiro nos põe a par da situação da sociedade como um todo, sem delimitar exatamente quais são as fronteiras internas a serem transpassadas; já o segundo situa um sujeito dentro de um local - seja ele material ou imaterial - que define as ações e as possibilidades cabíveis a ele. Compreender o papel da mulher na sociedade fala não só das funções dedicadas a ela, como também fala de todas as outras funções existentes em seu contexto e porque são distribuídas de tal forma.