Realidades possíveis
Tendo conhecimento da demanda por permanência estudantil, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) possui em seu Programa de Moradia Estudantil (PME) um diferencial em relação à outras universidades. Ao contrário do que ocorre atualmente na UFSC, o aluno da Unicamp conta com 900 vagas, sendo 27 delas dispostas em estúdios que podem ser ocupados pelo estudante e seus dependentes (compreendidos por filhos, cônjuges ou companheiros), de acordo com o parágrafo 3º do artigo 4º da Deliberação CONSU-A-024/2001.
Com solução semelhante, a Universidade Federal de Santa Maria também conta com vagas familiares em sua moradia estudantil. Atualmente 8 crianças moram com os pais na Casa do Estudante. Em entrevista à Revista .txt, o pró-reitor de assuntos estudantis da UFSM, João Batista Dias de Paiva faz declara que:
“O artigo segundo da resolução 025/2014 regulamenta que a moradia estudantil PRAE UFSM é um direito do estudante, incluído no Programa de Benefício Socioeconômico da PRAE. Ele pode ser extensivo a filhos menores de 12 anos, em que se enquadra a definição de criança, cuja necessidade deve ser comprovada por meio de parecer social feito pela PRAE. Isso é um direito assegurado pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Não há como fechar os olhos para isso.” (PAIVA, 2015, grifo meu)
Situando a fala do pró-reitor, o Art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente, assegura que “toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária [...]”. Em outra declaração, Paiva afirma que “Se as crianças podem estar junto das mães, certamente elas podem levá-las onde quiserem, até mesmo dentro da sala de aula”. Desta forma, percebe-se a existência de uma consciência fundamental para que políticas reais de permanência estudantil sejam produzidas pelas universidades: o reconhecimento da mãe-estudante como um sujeito de direito ao acesso à educação superior pública.
Infelizmente, a situação atual da UFSC demonstra um pensamento em posição extrema oposta à políticas acolhedoras como as da Unicamp e UFSM. Na moradia estudantil da UFSC, apenas o aluno regularmente matriculado pode permanecer em uma das 156 vagas oferecidas pelo programa. Desta forma, além de impossibilitar o ingresso de mães em situação de vulnerabilidade socioeconômica no meio acadêmico, temos também questão da estudante contemplada pelo programa que engravida durante a graduação. Como a permanência na moradia é apenas assegurada ao aluno registrado, assim que a criança nasça, a mãe possuirá duas opções: abandonar a vaga na moradia ou separar-se da criança, o que, como vimos anteriormente, é inconstitucional. Essa situação se agrava quando nos atentamos ao elevado número de mães-solo na UFSC, onde a família é constituída unicamente pela mãe e a criança. Além da enorme deficiência do programa de moradia estudantil, outros aspectos retrógrados podem ser observados no ambiente acadêmico da UFSC, como a enorme dificuldade (que muitas vezes transforma-se em uma impossibilidade) das crianças frequentarem junto aos pais o Restaurante Universitário e a Biblioteca Universitária, ou até mesmo de estarem presentes, junto aos pais, nas aulas universitárias em situações emergenciais. Atualmente, a UFSC possui sistema de ações afirmativas que compreendem 50% das vagas para ingresso. Pensar em possibilidades de permanência para alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica é o mínimo esperado para que haja coerência nas ações de ingresso da universidade.
É em meio à necessidade emergente de garantir que seus filhos estejam assistidos enquanto estão na universidade, que algumas iniciativas de creches parentais surgiram em Florianópolis. A creche parental compreende um sistema cooperativo entre famílias, onde a responsabilidade no cuidado dos filhos é compartilhada com outras famílias de acordo com a disponibilidade e ideologias pedagógicas dos pais. Brevemente sintetizando, a creche parental funciona da seguinte maneira: Tomemos como exemplo 3 mães: X, Y e Z. Digamos que a mãe X consiga vaga em creche para seu filho no período matutino, sendo que ela estuda durante a manhã e trabalha à tarde. A mãe Y estuda durante a noite e trabalha no período da manhã, seu filho não conseguiu vaga em creche. A mãe Z, trabalha durante a tarde e à noite, porém conseguiu vaga para seu filho apenas para o período da manhã. A partir de um acordo entre as três mães, institui-se que a mãe X pode cuidar das 3 crianças no período da noite, enquanto Y se responsabiliza pelo cuidado das crianças pelo período da tarde e Z fica responsável pelo período matutino. Desta forma, as crianças estarão amparadas nos três turnos, possibilitando as atividades produtivas de suas mães, independente de imprevistos como problemas de saúde ou dias não-letivos nas creches convencionais. Pelas condições bastante restritas, o sistema de creches parentais não se mostra expressivo entre as famílias em Florianópolis, porém, não deixa de configurar uma opção à situação atual vivida. A ideia de locais facilitadores para creches parentais poderia agregar esta prática ao cotidiano acadêmico, estruturando um sistema auto-organizado de famílias que cooperem entre si para possibilitar alternativas de permanência estudantil e garantia dos direitos produtivos.
Iniciativas como as políticas da Unicamp e UFSM e estruturas auto-organizadas como as creches parentais auxiliam a introdução dos sujeitos ocultos (mães e crianças) na sociedade. Como mencionado anteriormente, é apenas com a socialização entre indivíduos distintos que a cidade ganha novos usos e novas vozes, tornando-se então um lugar que proporciona maior equidade entre os cidadãos.