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O urbanismo com perspectiva de gênero como garantia de equidade

Com a necessidade de construir espaços que acolham diferentes formas de habitar a cidade, surge o ideal da perspectiva de gênero em contraposição ao pensamento modernista. Mas antes de compreendermos as diferenças entre a perspectiva de gênero e o método modernista, precisamos elucidar a diferença entre igualdade e equidade. Primeiramente, vamos dar uma pausa na leitura e assistir à campanha elaborada pela ONG Plan International, intitulada “O Desafio da Igualdade”.

O vídeo demonstra, a partir da infância, como a nossa sociedade é construída versus como ela poderia ser construída. Pensar em igualdade parte do pressuposto que a sociedade não é constituída através de papéis de gênero, onde todos os indivíduos possuem as mesmas qualificações ou mesmas oportunidades de adquirí-las. Quando pensamos em equidade, estamos levando em consideração todas as particularidades do indivíduo, compreendendo-o como um ser interseccional e oferecendo-lhe oportunidades equivalentes à sua condição (ou falta de) de privilégios. Precisamos compreender que para construirmos uma sociedade igual precisamos primeiro trazer equidade aos cidadãos. 


Voltemos à questão do urbanismo. Santoro (2008, p. 16) fala da elaboração de políticas que amenizem a desigualdade entre gêneros, mostrando que “trabalhar a ‘equidade’ significa tratar diferentemente os desiguais, trabalhar no campo da diferença”. Santoro (2008, p. 2) traz a perspectiva de gênero como alternativa crítica à “cidade dormitório”, questionando o termo, que na verdade, aplica-se apenas ao tão mencionado sujeito-padrão, que contempla uma pequena minoria da sociedade. Desta forma, surge o ideal da “perspectiva” que questiona exatamente de qual ângulo se constrói a cidade, onde as autoras Claudia e Ana Alice (2014, p. 10) recordam que o “urbanismo moderno e seu planejamento é de autoria masculina, branca e europeia”, sendo, desta forma, inconcebível que a sua produção tenha sido atravessada por questões de gênero e de condições de privilégios. 

“na maior parte do que se tem escrito sobre as cidades, prescinde-se da análise do sujeito que produz o conhecimento. Problema maior é o fato de se dar por certo e verdadeiro que este sujeito cognoscente é universal, transparente e puro. Entretanto, a experiência histórica das mulheres é muito diferente da dos homens e a mesma experiência pessoal pode ser vivida diferente e distintamente por homens e mulheres. A análise na perspectiva feminista vem questionando a noção do conhecimento objetivo, independentemente da situação (ou posicionalidade) do profissional: ‘a perspectiva das mulheres revela que o objeto da sociologia [ou de qualquer outra área] é organizado a partir de uma determinada posição na sociedade – uma classe dirigente, branca e masculina’ (SMITH, 1987, s.p.).” (VIEIRA e COSTA, 2014, p. 13)

Assim sendo, é imprescindível que o planejamento urbano leve em consideração recortes de classe, étnicos e de localização espacial e principalmente de gênero dos inúmeros sujeitos que compõem a urbe. É necessário analisar “a conexão entre produção capitalista e relações patriarcais entre a vida ‘pública’ e ‘doméstica’, o que as mulheres entendem sobre o mundo e o que julgam ser bom[...].” (VIEIRA, COSTA, 2014, p. 10-11) para criar um espaço urbano que propicie a equidade entre os seus usuários. É considerando particularidades que se torna possível uma produção espacial coerente. Sandercock e Forsyth (2005, p. 17, apud VIEIRA e COSTA, 2014, p. 12-13) indicam que as arquitetas com influências feministas materialistas incluíram questões relativas ao trabalho socializado e à “esfera da mulher”, propondo assim lares e bairros projetados a partir de ideais feministas. Ainda sobre pensamentos feministas aplicados ao planejamento urbano, têm-se o feminismo perspectivista, que leva em conta a experiência vivida. Vieira “A experiência é o ponto de partida, uma vez que esta tradição fenomenológica tende muito mais para a ‘etnografia’ do que para uma ‘teoria crítica’.” (VIEIRA e COSTA, 2014, p. 14). 


Seja qual for a vertente feminista a ser levada em consideração, é emergente a desconstrução do padrão baseado em ideais masculinos lineares e pendulares. Estes ideais perpetuam a produção cidades setorizadas e sem oportunidade de vivências para os cidadãos que produzem menos (ou não produzem) trabalhos remunerados em relação ao sujeito padrão. Abaixo, com duas citações que se complementam, finalizo a reflexão trazida a respeito do urbanismo com perspectiva de gênero.

“[...] é por isso que o urbanismo deve ser feminista. Ser feminista não significa ser feito apenas para mulheres, mas remete à necessidade de combate aos padrões que oprimem, que não respeitam as diferenças. São padrões que estabelecem que o homem heteronormativo é superior, e por isso permite que as regras sejam elaboradas a partir desse ponto de vista. Compreender que as diferenças de gênero acarretam diferentes demandas nas formas de ocupação da cidade - e especialmente que as mulheres não compõem um grupo uniforme, mas que é preciso considerar a interseccionalidade que contempla a diferenciação entre gênero, classe e raça - traz à tona a importância do território na cidade, onde sabemos que há zonas onde as leis são mais ou menos respeitadas, a depender de quem as ocupa.” (MARQUES, 2017, p. 84-85)


“A mulher mãe, cuidadora e nutridora, fala a partir de experiências compartilhadas: calçadas insuficientes para acompanhar a quem precisa de ajuda, passar com carrinhos de bebê, cadeiras de roda ou carrinhos de compra; a iluminação das ruas, que continua priorizando a pista em detrimento da calçada.” (MARTINEZ, 2014, p. 208)

Desta forma, quais são os motivos pelos quais não devemos levar em consideração outras perspectivas de ocupação da cidade? O que nos impede de fazê-lo? Qual a finalidade de produzir uma cidade onde a maioria dos cidadãos não é contemplada? Talvez a ineficiência do sistema atual nos traga mais respostas do que as próprias respostas propostas por ele. Centralidades homogêneas produzem uma cidade sem vida, sem segurança, sem habitabilidade. Em algum âmbito, todos - até mesmo o sujeito-padrão - são afetados. É necessário e emergente que a forma de perceber a cidade se adeque às demandas atuais.

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